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terça-feira, 10 de outubro de 2017

Estranha Educação a dos nossos dias....

OS MENINOS DE HOJE
 
Os meninos não podem sair da nossa beira, porque os meninos não podem estar sozinhos. 
Os meninos não podem ficar no recreio a brincar quando os professores faltam - são levados para a biblioteca ou para alguma aula de pseudo-apoio. Se os meninos ficassem no recreio a jogar à bola e, se por acaso se magoassem, o que seria dessa escola! 
Os pais poderiam até processar a instituição de ensino! 
Os meninos não podem ir a pé ou de autocarro para a escola, porque isso pode ser perigoso. 
Os meninos não se podem sujar ou magoar - os pais nunca se perdoariam (e fá-los-ia perder tempo que não têm). 
Os meninos andam a saltar de pais para os avós e para a escola e para o ATL e para a piscina e para o inglês e para a música e para o karaté e para o futebol e para a patinagem e... Porque os meninos têm de estar sempre ocupados e nunca sozinhos; não saberiam o que fazer com o tempo livre. 
E os pais têm de ganhar dinheiro para os meninos andarem sempre bonitos e com roupa de marca - caso contrário, os colegas poderiam até gozá-los. 
E se o colega tem uma coisa, o menino também tem de ter (senão faz birra e com toda a razão). 
E os meninos têm de ter festas de aniversário espectaculares - e não pode ser em casa só com a família, que isso não se usa. Tem de ser com a turma toda e os amigos e os primos e tem de se alugar (e pagar) um sítio onde tenha muitos brinquedos e escorregas e palhaços e malabaristas e baby-sitters. Algum sítio onde alguém se responsabilize pelos filhos dos outros, de preferência. 
Os meninos, coitadinhos, são muito novos para pensar - mais vale nós planearmos a vida deles e dizer-lhes o que fazer. Mas só se eles concordarem, claro. 
 Porque os meninos não têm culpa de nada; se se portam mal, a culpa é da educação que recebem na escola (que é o sítio onde eles devem ser educados). 
Os meninos não comem sopa e verduras porque não gostam. 
Os meninos saem da mesa quando lhes apetece e passam o (pouco) tempo livre entre smartphones, tablets e computadores. Mesmo enquanto comem, coitadinhos, tem de haver alguma coisa para os entreter - e não se fala com a boca cheia. Alguns até comem com auscultadores colocados nos ouvidos - e ainda bem, para não incomodar a conversa dos adultos. 
Os meninos só veem desenhos animados (e a televisão é deles quando eles estão em casa). 
Porque os meninos querem, os meninos têm. 
O que não vale é chorar - não gostamos de os ver tristes. Chora, chora, que a mamã dá mais brinquedos para brincares duas vezes e os arrumares a um canto - a casa fica cheia deles; depois compram-se outros diferentes, porque os meninos têm de ter sempre mais e mais coisas e mais experiências novas. 
Os meninos não ajudam em casa, porque são meninos. 
Os meninos começam a sair cedo e os papás vão buscá-los onde e à hora que for necessário. 
Não há meninos burros, arruaceiros nem medricas nem preguiçosos nem tímidos nem distraídos nem mal educados nem maus nem... Nada disso. Os meninos são todos bons (os melhores) e muito inteligentes. Todos. 
E todos os anos há meninos finalistas e festas de finalistas e viagens de finalistas e até praxes, do primeiro ao último ano da escola, porque eles são muito inteligentes e importantes, agora que acabaram mais um ano. 
Que bem, já tens a quarta classe - que orgulho, meu filho Ah, parece que foi ontem a tua festa de finalistas do terceiro ano... 
Os meninos não se podem (nem sabem) defender sozinhos; para isso é que existem os pais e os psicólogos e os professores e até os tribunais. 
Os meninos têm explicações desde a escola primária, porque precisam de toda a ajuda possível para serem os melhores. Se não estão atentos nas aulas, a culpa é do professor. 
Os meninos não levam palmadas - ai se isso acontecer. Podiam ficar traumatizados, coitadinhos. 
Se os meninos estragam, os papás pagam. 
Os meninos têm direitos - mais concretamente, têm o direito a fazer o que lhes apetece porque são meninos e não têm de entender as preocupações dos crescidos. Por isso desarrumam a casa e todos os sítios por onde passam; partiu? virou? desapareceu? morreu? Não sei, eu sou apenas um menino.
Até que um belo dia, os meninos se veem subitamente fora de casa e da escola e longe de todas as pessoas e coisas que costumam controlar todos os seus movimentos (e até pensamentos). Longe daqueles que lhes disseram sempre que os meninos não são responsáveis nem culpados daquilo que fazem.
E só aí, longe pela primeira vez, começam a aprender a ser pessoas, a respeitar a liberdade e o espaço dos outros (os outros que afinal também existem! - descobrem os meninos nesta altura). 
Só aí entendem que cada ato tem uma consequência. E torna-se difícil - que a pegada dos meninos agora é grande e os erros notam-se como patas de elefante em cima de nenúfares. 
Destroem tudo, porque têm de aprender e agora é muito mais complicado. 
Pensavam que podiam fazer tudo o que lhes apetecesse, mas afinal parece que não. Ninguém lhes tinha dito. 
E, de repente, aparecem ratos que assustam os elefantes. Todo aquele tamanho mas no fundo continuam apenas meninos que agora vivem em corpos de adultos. Ficam muito assustados (pudera) e não entendem.
Voltam para casa e perguntam aos pais: o mundo é mesmo assim, papás? Não posso atirar colchões pela janela dos hotéis? Não posso ligar extintores e estragar as paredes e camas? Porque não avisaram antes?
E nessa altura, levam um estalo - a primeira palmada das suas vidas. Deixaram finalmente de ser (e da pior forma) meninos.

O Povo de Oeiras é estúpido ??????

Não encontrei alguém das minhas relações pessoais, dos analistas que leio, dos comentadores que oiço, capaz de, ao debruçar-se sobre os resultados das recentes eleições autárquicas, evitar o aparte, a boca ou o desabafo: "Como é possível Isaltino Morais ganhar as eleições em Oeiras? Como é que o concelho mais letrado do país elege um corrupto? O que é que este escândalo diz de nós?"
O pensamento mais elaborado que ouvi sobre a matéria foi uma piada, gira: "Os portugueses acreditam nas capacidades de reinserção social do sistema prisional e, por isso, elegeram Isaltino."
E no domingo o El País titulava, em tom ironicamente arrogante e paternalista: "Isaltino, o presidente corrupto que os portugueses adoram." Nessa peça, o articulista rematava: "Longe de Oeiras, nos mesmos dias das eleições, o partido que governa Moçambique, ex-colónia portuguesa, a Frelimo, dizia que os corruptos do partido não deviam ser ostracizados, muito pelo contrário, era necessário reintegrá-los. Isaltino é o grande integrado de Portugal."
(Esta visão, que vinda de fora adquire um tom duplamente neocolonialista, esquece o facto de a corrupção de políticos no ativo ser um problema enorme em Espanha, pelo que soa a pedrada lançada por quem tem imensos telhados de vidro... mas adiante, que não é esse o foco deste texto.)
Uma reportagem de Fernanda Câncio, aqui no DN, tentou encontrar explicação para o fenómeno desta reeleição em Oeiras. No local, a ouvir munícipes, vários deles renitentes a confessar o voto no autarca ex-presidiário, a jornalista registou estas frases: "as pessoas não sabem ao certo porque ele foi condenado"; "acho que é culpado, mas foi condenado e já pagou"; "quem não gosta de Isaltino é porque não vive aqui"; "foi um excecional presidente, sem dúvida alguma, fez muito pelo concelho"; "fez crescer Oeiras e ele teve também de crescer".
Portanto, a tese prevalecente, seja entre analistas encartados seja entre ignaros cidadãos, resume-se mais ou menos a uma única frase: "O povo de Oeiras é estúpido." Pois eu, desculpem lá o mau jeito, recuso essa explicação.
Quarenta anos de políticos, académicos e jornalistas a instruírem a populaça sobre a inevitabilidade estrutural dos alegados malefícios do papel do Estado na vida dos indivíduos; sobre a inutilidade dos impostos; sobre a incompetência dos funcionários públicos; sobre a fatalidade do fim da Segurança Social; sobre a corrupção inata nas autarquias locais; sobre o privado ser sempre melhor do que o público; não criaram a mentalidade propícia a um voto que não desvaloriza quem usou ilegalmente o Estado e com isso, "fez crescer Oeiras" e, por isso, ganhou um direito moral e "teve também de crescer"?
Quarenta anos dos mesmos políticos, académicos e jornalistas a metralharem a populaça sobre a suposta e generalizada corrupção dos políticos; sobre a "normalidade" de quem está no Estado poder usá-lo a seu favor em negócios com construtores civis, com a banca ou com fundos comunitários; sobre a muita preguiça e o elevado salário dos deputados; sobre o valor do governo sem ideologia, obediente ao santo pragmatismo, não criaram razões para os eleitores de Oeiras, descrentes, escolherem quem, afinal, "foi um excecional presidente"?
Quarenta anos de promoção cultural junto da populaça, pelas mesmas personagens, do conceito básico "uma imagem vale mais do que mil palavras", não criaram a sensibilidade que leva os eleitores de Oeiras a ver a saída da cadeia de Isaltino, muito mais magro e com umas roupas recolhidas dentro de um saco para lixo preto, como um momento de redenção, o espoletar do "acho que é culpado, mas foi condenado e já pagou" que desculpou tanto voto em Oeiras?
Vinte cinco anos de um sistema judiciário, cheio de doutores, magistrados e juízes, a industriar a populaça, através dos jornais, graças à utilização perversa do segredo de justiça, que os políticos e os famosos suspeitos não são suspeitos, são culpados, decida o que decidir o tribunal, não criaram as condições para que, no fim, em exemplos como o de Isaltino "as pessoas não saibam ao certo porque ele foi condenado"?
Vinte e cinco anos de arrastamento de casos na justiça: fax de Macau, Casa Pia, Operação Furacão, Freeport, Oliveira e Costa, Duarte Lima, Dias Loureiro, José Sócrates, Armando Vara, Ricardo Salgado, Miguel Macedo, o próprio Isaltino, sei lá que mais, não industriaram já a populaça de que a própria justiça é culpada de ineficácia, falta de rigor, incoerência e que é capaz de condenar só para salvar a sua própria reputação? Isto não legitima quem, em Oeiras, acredite que Isaltino Morais é injustiçado?
E, finalmente, face à qualidade dos candidatos apresentados pelos partidos nacionais e dos candidatos nascidos localmente, graças a uma parva lei das candidaturas independentes que, como era óbvio, promove sobretudo o caciquismo e degrada ainda mais a imagem dos partidos, não é legítimo um cidadão de Oeiras pensar "quem não gosta de Isaltino é porque não vive aqui"?
A eleição de Isaltino é terrível porque demonstra cabalmente que as elites portuguesas, essas sim, foram estúpidas e cavaram, nestes mais de 40 anos de democracia, lenta mas persistentemente, a sua própria sepultura.