O mais
provável é que o PS esteja a caminho do fim. Não por causa da adesão
ao mercado nem pelo seu entusiasmo com a frente de esquerda. Mas sim por causa da corrupção,
que o PS nunca condenou claramente, sobretudo a sua e a dos seus amigos.
O caso Sócrates, a que se acrescentaram tantos outros, está agora a mostrar
contornos difíceis de apagar da memória. O caso PT, bem anterior, já tinha
deixado feridas e cicatrizes profundas. Os casos Pinho e EDP, que ainda agora
vão no adro, revelaram-se de tal maneira letais que será difícil convencer quem
quer que seja que membros deste governo não tiveram nada que ver com o governo
Sócrates, nesta que é talvez a maior derrota da democracia desde há mais de 40
anos.
O PS não está a tratar da "espuma dos
dias" nem de pequenas circunstâncias, como sejam o pagamento a dobrar de
ajudas de custo e outras "bagatelas". O PS está a ocupar-se de uma
questão muito séria: a do seu envolvimento em processos de corrupção política
de grande escala e a do seu silêncio diante da actuação dos seus dirigentes.
Com a corrupção, o PS está a tratar da sua natureza contemporânea, não apenas
de uma circunstância excepcional.
O PS nunca foi muito claro na sua atitude
perante a corrupção. Condenou a dos seus adversários, fez o possível por
disfarçar a sua. Ou garantir que eram apenas casos de justiça. Pior: desculpou
a corrupção com uma ideologia barata, a da ética republicana! O que isso quer
dizer é estranho. Como se houvesse uma ética monárquica. E uma ética
socialista. Até uma ética fascista! Está a ver-se onde isto vai parar. Mas a
ideia leva-nos a admitir que há várias
espécies de ética e de corrupção.
Um dos problemas mais interessantes da
corrupção é o de que os seus responsáveis nunca acham que são corruptos. Julgam
que estão a comportar-se com direiteza e valores inatacáveis. Isto resulta de
uma concepção própria de corrupção e de ética.
A ética
aristocrática faz que certas pessoas pensem honestamente que tudo lhes é
devido, que estão acima de todos e de qualquer suspeita, que são charneiras da
pátria e depositárias do destino nacional! Aqueles gestos e valores que muitos
consideram imorais são, para as classes altas, antigas e modernas, direitos
adquiridos. Corre-lhes no sangue uma espécie de moralidade pública indelével
que nem sequer é preciso provar. A sua
legitimidade é a do seu sangue.
A ética
burguesa faz que pessoas, geralmente empresários e gestores, acreditem
cegamente no mercado, considerem que merecem uma recompensa pelo que fazem,
pelo emprego que criam, pelas exportações que promovem e pelas obras que fazem
para o Estado. Por isso, querem fazer o que lhes apetece. Julgam-se agentes e
instrumentos de bem-estar da população. Zelam pelos direitos das empresas e
acreditam em que tudo o que fazem é para criar riqueza. Por isso querem ser
recompensados. O que é bom para eles é bom para o país. A sua legitimidade é a da sua obra.
A ética
republicana é a que remete os valores para a cidadania, rejeita privilégios
de nome, fortuna e condição, mas atribui méritos desmedidos ao contributo para
a democracia partidária. Tudo o que for feito a favor dos partidos no poder
local, nos governos e em respeito pelo eleitorado, faz parte dessa ética
republicana. Que permite a corrupção do dia-a-dia, os empregos para os amigos,
as comissões para os partidos, o financiamento público das campanhas
eleitorais, as leis feitas por medida, os descontos e os favores...
A sua legitimidade é a do
seu eleitorado.
Finalmente,
a ética revolucionária, que critica todas as anteriores, que
estipula como valores supremos a classe trabalhadora e o papel do seu partido
de vanguarda. Tudo o que for feito, incluindo roubo, ocupação, assalto,
despedimento, saneamento e favores, a bem da classe e do partido, cabe na moral
trabalhadora. Com uma condição: a de nunca ser individual! Terá sempre de ser
colectivista, do partido, do sindicato... É essa a razão pela qual há tão
poucos comunistas envolvidos em casos de corrupção: é o próprio partido que
assegura as mais eficazes funções de polícia de costumes. Proventos individuais
no movimento comunista, nunca! A sua
legitimidade é a da luta de classes e das relações de força.
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